PARTE GERAL
Histórico, Conceito, Autonomia, Abrangência, Método, Características, Princípios, Fontes.
A palavra comércio vem do latim cumercium (cum + merx) que deu origem à palavra mercari, que significa “comprar para vender”, ou seja, o ato da mercancia.
O sentido atual da expressão comércio envolve três elementos essenciais:
n o ato de comprar (ou produzir ou prestar serviço) para vender;
n a habitualidade na prática do ato de mercancia e
n que este ato habitual tenha o intuito de lucro.
No início, o comércio não tinha sentido econômico, não visava lucro. Trocava-se produto por produto.
Houve períodos na história em que vender para obter lucro, ou seja, por mais do que se havia comprado, era imoral e condenável. Ainda hoje, a legislação russa prevê que a revenda para fim de lucro é crime de especulação e o intermediário é visto como um parasita que suga a produção de outrem.
Hoje, a atividade comercial não abrange só os atos originários de intermediação, como veremos adiante.
No Egito antigo, cerca de 3000 a. C., o comércio era monopólio do Estado, ou seja, do Faraó e seus parentes. Não existia o comércio difundido entre os do povo. Entre eles se praticava a troca, como também ocorria entre os fenícios, troianos, cretenses, sírios, cartagineses, babilônicos.
As primeiras manifestações de uma legislação comercial datam de 1850 e 1750 a. C., com o Código de Manu, na Índia, e o Código de Hamurabi, na Babilônia. Nos séculos XVI e XV a. C., os fenícios eram os responsáveis pela intermediação de produtos entre a Ásia e o Mediterrâneo, onde estavam os gregos. Em razão desse comércio, surgem as normas costumeiras marítimas de índole internacional. Temos remanescentes até hoje destas regras, em nosso Código Comercial (art. 621, 764 e 769 - rateio de prejuízos; art. 633 - seguro - empréstimo de risco).
Os romanos, embora não possuíssem uma legislação comercial específica, contribuíram com o Direito Comercial: o costume da escrituração doméstica, difundido em todas as casas, que deu origem aos livros comerciais; as regras sobre contratos e obrigações que deram alicerce às transações mercantis; os institutos da falência e da ação pauliana; o comércio sendo realizado pelos escravos em nome de seus senhores, o que deu origem à representação comercial.
Com a queda do Império Romano no século V, o centro de interesse deslocou-se para a Ásia e os árabes cresceram na atividade comercial, estabelecendo a rota da seda (China-Mediterrâneo). Com eles nascem algumas formas de sociedade, em que uma das partes entrava com o capital. Foi uma forma de disfarçar a usura, proibida pelo Alcorão.
No século IX, já Idade Média, com o domínio muçulmano nos mares, a Europa se vê isolada e o comércio passa a ser feito internamente, em terra, para garantir sua segurança. Surgem as grandes feiras, que chegavam a durar seis semanas. Podemos dizer que aqui é que o Direito Comercial nasce. Datam daí as corporações de ofício (mercadores, artesãos). Esses profissionais criaram um direito ágil, vivo e sagaz em suas corporações, que foi o contraponto do direito romano-canônico, formal e solene, absoluto, até então, como nos ensina o Prof. Bulgarelli. Aí está a origem dos Tribunais de Comércio.
Este período foi fértil no aparecimento de institutos importantes para o nosso ramo de estudo, como: os títulos de crédito, os bancos, a falência se restringindo apenas aos devedores comerciantes, os contratos mercantis como transporte, comissão, sociedades.
As Cruzadas ajudam a alargar os centros comerciais, já que seus participantes, além de lutarem, também faziam o papel de mercadores.
Naquele tempo, as regras comerciais eram aplicadas somente ao fechado círculo das pessoas matriculadas nas corporações de mercadores, onde, como já exposto, as pendências eram solucionadas internamente, por cônsules eleitos, que utilizavam nos seus julgamentos os usos e costumes, a eqüidade e o contido em seus estatutos, sem grandes formalidades. São os ancestrais dos Tribunais de Comércio. Estes cônsules acabavam por atuar legislativamente também, criando normas com seus julgados. É o chamado período subjetivo - corporativista (séculos XII a XVIII). É nessa época que surge a burguesia, opondo-se à organização feudal.
No século XVIII, após a grande expansão territorial do período colonialista, dos grandes descobrimentos e navegações, as corporações são abolidas e é estabelecido o liberalismo no trabalho e no comércio. Com isso, as regras que instruíam o Direito Comercial se focam nos atos de comércio, para se estenderem a todos os que praticassem os referidos atos, independentemente da profissão. É o período objetivo dos atos de comércio (teoria dos atos de comércio), no qual floresceram legislações importantes, como o Código Comercial da França (1807), que vige até nossos dias, com modificações, e suas derivações na Espanha (1829), Portugal (1833), Brasil (1850) e Itália (1865).
Modernamente, a tendência é que as regras do Direito Comercial tenham por base o exercício profissional e organizado de uma atividade econômica, exceto a intelectual e as de extração, o que ocorre sempre em uma empresa, por isso este período se denomina período subjetivo da empresa (teoria da empresa). Empresa, segundo o Dicionário Aurélio, é a organização econômica destinada à produção ou venda de mercadoria ou serviços, tendo como objetivo o lucro. Por isso, teoria da empresa para delimitar as regras do Direito Comercial.
No Brasil, o comércio existe, praticamente, desde seu descobrimento. Madeira, pedras preciosas, ouro, escravos, açúcar.
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, houve a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, através da Carta Régia, dando origem às primeiras normas nacionais de disciplinação do comércio. Foram usadas até 1850 as legislações portuguesas (Ordenações Filipinas, 1603). Dessa época, datam a criação da Real Junta de Comércio e do Banco do Brasil.
Com a promulgação do Código Comercial em 1850, em vigor até hoje, com muitas alterações, o Brasil passou a ter seu diploma legal especial para a matéria. Note-se que a importância da atividade econômica tem sido tão grande através dos tempos, que o Brasil teve um Código Comercial muito antes de ter seu Código Civil (1916). Por isso, muitas questões civis estavam nele reguladas, como o mandato, a locação, a fiança, a hipoteca, o modo de extinção das obrigações através do pagamento, da novação e da compensação.
A redação do Código Comercial foi iniciada em 1809, terminando em 1834, ocupando um período de nove anos, portanto. A demora de dezesseis anos na promulgação do Código foi tão sentida, que no mesmo ano de 1850 e em 1851, outros regulamentos surgiram para aperfeiçoá-lo.
Com a Proclamação da República, a modernidade reclamava novas leis - cheques, Lei Uniforme de Genebra (LUG), Juntas e Inspetorias Comerciais, títulos ao portador, debêntures, armazéns-gerais, sociedades limitadas.
A partir da década de trinta, inicia-se, com a Era Vargas, uma maior intervenção estatal na atividade comercial. Quadro que, agora, está tentando ser revertido com as privatizações, mantendo-se, no entanto, a presença do Estado para garantir a ordem econômica (CF/88, artigos 170 a 181).
Como vimos, o comércio no sentido jurídico não é mais considerado de modo estrito, ou seja, o ato de intermediar a compra e venda, entre produtor e consumidor, atacado e varejo.
O Direito Comercial atual não se restringe a regular a profissão de comerciante e os atos de comércio, a atividade comercial pura. Ele se amplia para tratar de toda atividade empresarial, abrangendo também a indústria, os transportes, os seguros, os bancos, as bolsas de valores.
Assim, interessam diretamente ao Direito Comercial o comércio interno e exterior, as importações e exportações, o comércio de coisas corpóreas e incorpóreas, de serviços, de riscos, a circulação de produtos, por via aérea, rodoviária, ferroviária, de cabotagem, marítima, o comércio fixo e o ambulante, as atividades de produção e transformação de bens, em geral. Ficam de fora as atividades do setor extrativo (mineração, agricultura, pecuária), desde que não exploradas por pessoas jurídicas, e as atividades intelectuais, exercidas por profissionais liberais.
Por esse alargamento na matéria regulada pelo Direito Comercial é que se utiliza hoje a terminologia Direito Empresarial, conforme a teoria da empresa. O Direito Comercial pode ser conceituado em nossos tempos como o conjunto de regras que disciplinam a atividade dos empresários e das sociedades empresariais e os atos de comércio, mesmo quando praticados por não-empresários.
O comércio tem atuado como fator de integração e intercâmbio entre os povos, suplantando questões ideológicas e religiosas, ao longo da história.
O homem sempre tem estado em busca do poder. No modelo social em que vivemos, podemos assumir que nada sobrepuja o poder econômico. Ele se sobrepõe, até mesmo, ao poder político. Haja vista que os preconceitos em nosso país são mais econômicos do que qualquer outra índole.
O que move o mundo é o dinheiro. E o dinheiro vem de transações comerciais, em seu sentido mais amplo.
Por isso a preocupação do governo em atrelar à norma constitucional os princípios que regem a ordem econômica.
E o Direito Comercial / Empresarial é dinâmico e volumoso porque deve acompanhar as inovações surgidas nas atividades humanas, que tornam possíveis a concretização de projetos inimagináveis, como comprar um pacote turístico para passar as férias na Lua. Com o advento de novas tecnologias, principalmente a informática, aumenta o número de negócios realizados via rede mundial de computadores. Por isso, o Direito ainda encontrará muita matéria-prima com a crescente informatização e nas atividades que ela gera e viabiliza.
O método utilizado pelo Direito Comercial é o indutivo, ou seja, aquele que observa as partes para construir o todo. Suas características são:
· dinamismo e agilidade, para acompanhar o movimento das relações econômicas, já que seus atos são praticados com rapidez e em massa;
· internacionalismo e inovação, pois, conforme já registrado, sofre influências dos mercados e se realiza entre povos, adota institutos e convenções estrangeiras para não ver a economia nacional suplantada por outras e para uniformizar seus padrões de realização, acompanhando os progressos tecnológicos, que estimulam sua continuada renovação;
· onerosidade, pois o objeto do Direito Comercial é a atividade que sempre busca lucro;
· massificação, pois seus atos se realizam em larga e ampla escala, em nível de mercado;
· instrumentalidade, pois o Direito Comercial se presta a dar forma jurídica à realização de negócios e relações comerciais, que se concretiza sem excesso de formalismos.
Tais características demonstram bem a autonomia desse ramo do Direito privado em relação ao Direito Civil. Em alguns momentos, principalmente quando se trata de obrigações, ambos caminham juntos e de mãos dadas. Mas os elementos identificadores acima expostos são suficientes para comprovar a diferenciação do Direito Civil, que utiliza do método dedutivo, ou seja, que parte do geral para o particular, baseado em institutos praticamente imutáveis, como a família e a propriedade. O Direito Civil é estático, conservador, nacionalista, extremamente formal e solene e são comuns atos civis praticados a título gratuito.
Os princípios que instruem o Direito Comercial, ao lado das características já elencadas, também colaboram para sua autonomia. A propriedade, no Direito Comercial, tem sentido diverso do que o consagrado pelo Direito Civil. Aqui, a propriedade é vista de modo dinâmico, empresarial, já que controla instrumentos de produção e geração de riquezas. Existe, também, no Direito Comercial uma preocupação em proteger a aparência, com a finalidade de se garantir e assegurar a atividade mercantil, abrigando a boa fé.
Por conta do princípio da aparência, a solidariedade passiva entre os sócios é regra, desenvolvendo-se teorias como a desconsideração da personalidade jurídica, ultra vires societatis e insider trading. Percebe-se que os princípios tencionam dar segurança às relações comerciais. Por isso, ainda, existe a uniformização das normas comerciais, devido ao seu caráter internacionalista, conforme já exposto.
As fontes que alimentam o Direito Comercial podem ser divididas em históricas (textos e documentos encontrados desde a antigüidade), materiais (elementos que concorrem para a criação das leis) e formais (manifestação positiva da norma jurídica).
Como exemplos do primeiro tipo de fonte, apontamos os já citados Código de Hamurabi, o Digesto do Direito Romano, o Consulado del Mare, os estatutos das corporações de mercadores, o Código Napoleônico. Enfim, escritos que, de alguma forma, contribuíram para a formação do Direito Comercial.
Como fontes materiais, podemos citar os usos e a prática da atividade comercial e empresarial, que são a matéria a ser regulada pelo Direito Comercial, em todas as suas nuanças.
As fontes formais são as leis e as convenções entre as partes. Assim, hierarquicamente, vem em primeiro lugar a Constituição, seguida pelo Código Comercial e de toda a legislação esparsa que regula a matéria (lei das sociedades anônimas, lei de falências, lei do cheque, LUG, a lei civil em relação aos contratos e extinção das obrigações mercantis, por força dos art. 121 e 428 do C. Com., etc.) São as chamadas fontes primárias. Integram as fontes secundárias os usos e costumes (“Direito Comercial não escrito”), as leis civis aplicadas subsidiariamente, a jurisprudência, a doutrina, a analogia, a eqüidade, os princípios gerais de direito. Ressalve-se que há entendimentos de que a jurisprudência e a doutrina não constituem fontes.
Sobre os usos e costumes comerciais é bom frisar que são práticas de uso público reiterado em matéria comercial, que acabam sendo acatadas como lei entre os comerciantes. Caracterizam-se pela prática reiterada e contínua e pela compreensão uniforme entre os comerciantes, não contrariando a lei e sendo assentados pelo Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. O registro se dá nas Juntas Comerciais de acordo com o contido na lei nº 8.934/94, que prescreve o procedimento para tal registro, que pode ser procedido de ofício ou a requerimento da Procuradoria ou de entidade de classe. Não contrariando a lei, o presidente da Junta ouvirá, com prazo de noventa dias, as entidades interessadas, fazendo publicar convite para que todos os interessados se manifestem em igual prazo. Se aprovado pela Junta, o uso será inscrito em livro próprio e publicado na imprensa oficial. Caso alguém deseje se valer do uso ou costume comercial em demanda judicial, deve apresentar a certidão da Junta, podendo produzir também outros tipos de prova se o costume não estiver assentado na repartição oficial, mas que serão livremente apreciadas pelo magistrado
É claro que, como qualquer ramo jurídico, em uma sociedade democrática de Direito, o baluarte é o princípio da legalidade, contemplado no inciso II do artigo quinto da Constituição Federal, que garante que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O projeto do novo Código Civil pretende regular também a matéria do Direito Comercial, além do campo das obrigações, sob o título atividade negocial, contendo normas relativas aos títulos de crédito, ao empresário e sua caracterização, às sociedades em suas várias espécies, inclusive à sociedade anônima, aos agentes auxiliares, à escrituração, a contratos mercantis., consagrando a teoria da empresa.
IMPORTANTE: Já em nossos primeiros contatos com a disciplina é bom que conheçamos alguns autores de renome nacional, que dedicam ou dedicaram sua obra ao estudo do Direito Comercial: José Ferreira Borges, José Xavier Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira, Ernesto Leme, Sylvio Marcondes, Philomeno Costa, Oscar Barreto Filho, Fábio Konder Comparato, Waldírio Bulgarelli, Mauro Brandão Lopes, Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Modesto Carvalhosa, Fran Martins, Carvalho de Mendonça, Rubens Requião, Eunápio Borges, Trajano Miranda Valverde, Paulo Lessa, Hernani Estrela, Dylson Doria, Fábio Ulhoa Coelho e muitos outros.
Créditos: De autoria da Professora Wilges Bruscato