Introdução
A vontade é a mola propulsora dos atos e dos negócios jurídicos. Essa vontade deve ser manifestada de forma idônea para que o ato tenha vida normal na atividade jurídica e no universo negocial. Se essa vontade não corresponder ao desejo do agente, o negócio jurídico torna-se suscetível de nulidade ou anulação.
Quando a vontade nem ao menos se manifesta, quando é totalmente tolhida, não se pode falar nem mesmo em existência de negócio jurídico. O negócio é inexistente ou nulo por lhe faltar requisito fundamental.
Quando, porém, a vontade é manifestada, mas com vício ou defeito que a torna mal dirigida, mal externada, estamos, na maioria das vezes, no campo do ato ou negócio jurídico anulável, isto é, o negócio terá vida jurídica somente até que, por iniciativa de qualquer prejudicado, seja pedida sua anulação.
Nesse tema, o Código Civil de 2002, no Capítulo IV, do Livro III, dá a essas falhas de vontade a denominação "Defeitos do Negócio Jurídico". No sistema do Código de 1916, esses defeitos compreendiam os chamados vícios de consentimento (erro, dolo e coação) e os chamados vícios sociais (simulação e fraude contra credores). O Código regula o erro ou a ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores. No atual sistema legal, a simulação situa-se no campo da nulidade do negócio jurídico.
Por seu lado, o art. 171 do atual Código expressa que além dos casos expressamente declarados por lei, é anulável o negócio jurídico: "I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores". O art. 147 do antigo diploma legal dizia ser anulável o ato jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude. Na verdade, nos casos de ausência absoluta de vontade, defrontamo-nos com um ato nulo, como em tese ocorre com certa modalidade de erro, como veremos, e com a coação absoluta. Por política legislativa, porém, preferiu o Código de 2002, na mesma senda do estatuto anterior, englobar todos esses vícios passíveis de tornar o negócio anulável. Isso não impede, por exemplo, que tratando-se de coação absoluta, o negócio seja tratado como nulo.
O atual Código coloca-se, como se nota, de forma mais compreensível no art. 171. O relativamente incapaz, quando não devidamente assistido, pratica negócio anulável, como também, pontilhado em todo ordenamento, há situações nas quais a lei tipifica e imputa diretamente a anulabilidade de um ato. Nesta última situação está, por exemplo, a venda do ascendente ao descendente, sem o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge, que o art. 496 do atual diploma qualifica expressamente como anulável, pondo fim a dúvida que grassava no Código anterior. Tal como esse artigo, várias outras disposições são encontradas no Código e em leis extravagantes que definem o ato ou negócio como nulo ou anulável.
Ao lado dos vícios de consentimento e deles muito se aproximando, coloca-se a lesão junto do estado de perigo, que não estavam presentes no Código de 1916, mas é disciplinada pelo Código atual, oriundo do Projeto do Código Civil de 1975, e pelo Código de Defesa do Consumidor.
Serão esses, portanto, os tópicos a serem examinados.
O primeiro vício de consentimento é o erro, com as mesmas conseqüências da ignorância. Trata-se de manifestação de vontade em desacordo com a realidade, quer porque o declarante a desconhece (ignorância), quer porque tem representação errônea dessa realidade (erro).
Quando esse desacordo com a realidade é provocado maliciosamente por outrem, estamos perante o dolo.
Quando o agente é forçado a praticar um ato por ameaça contra si, ou contra alguém que lhe é caro, o ato é anulável por coação.
Quando o agente paga preço desproporcional ao real valor da coisa, sob certas circunstâncias, estaremos perante hipótese de lesão. O estado de perigo configura-se quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Esses vícios afetam a vontade intrínseca do agente e a manifestação de vontade é viciada. Se não existisse uma dessas determinantes, o declarante teria agido de outro modo ou talvez nem mesmo realizado o negócio.
Nos vícios sociais, a situação é diversa. O intuito é ludibriar terceiros. A vontade, por parte do declarante, é real e verdadeira, mas dirigida para prejuízo de outrem.
Na simulação, há processo de mancomunação do declarante e declaratário com o objetivo de fraudar a lei ou prejudicar terceiros.
Na fraude contra credores, a intenção do declarante é afastar seu patrimônio de seus credores, por meio de atos que possuam aparência de legitimidade.
Como vemos, apesar de tratados sob a mesma epígrafe, os temas apresentam diversidade. Como o legislador deu o efeito de anulabilidade a todos os defeitos, houve por bem tratá-los no mesmo local, uma vez que, por força do art. 147, II, do antigo diploma legal, e art. 171 do atual, todos esses vícios conduzem ao mesmo fim. Reitere-se, contudo, que a simulação no atual Código é vista sob o prisma da nulidade e não mais da anulabilidade.
Para esses aspectos patológicos do ato jurídico, o ponto de partida é o seguinte: todo ato jurídico é manifestação de vontade, a qual constitui seu substrato.
A posição adotada pelo legislador, pela qual o vício de consentimento torna o ato anulável, traz alguns problemas. Como já nos referimos, no caso de erro-obstáculo, isto é, quando não há absolutamente manifestação de vontade, como veremos a seguir, ou no caso de coação absoluta, a vontade praticamente não existe, é mera aparência. Contudo, para fins práticos, o legislador houve por bem tratar, em linha geral, esses atos como simplesmente anuláveis.
Partindo da manifestação de vontade, deve-se fazer referência como fizemos ao tratar da interpretação dos atos jurídicos, às teorias da vontade e da declaração.
Há tendência de combinar ambas as teorias, não se dando preponderância a uma ou outra. No exame do art. 112 (ant., art. 85), vimos que se parte da declaração para atingir a real intenção do agente.
Surge, nesse repasse, a teoria da responsabilidade, em que se prefere o interesse da sociedade ao do indivíduo; a segurança das relações sociais ao interesse individual. Por essa teoria, o erro poderia anular o ato jurídico tão-somente se o declarante houvesse agido de plena boa-fé, sem culpa ou dolo. Trata-se de abrandamento à teoria da declaração.
Existe ainda a corrente eclética, a teoria da confiança, que é o abrandamento da teoria da vontade. Por ela, se a declaração diverge da vontade, o ato será válido se o defeito não for perceptível pelo declaratário.
De qualquer modo, o Código, no art. 112, formula um conselho ao intérprete a fim de não se apegar unilateralmente a uma só das correntes doutrinárias.
Cumpre ainda que mencionemos dois institutos que também retratam desvios de vontade e defeitos nos negócios jurídicos, a reserva mental e a lesão, esta já citada anteriormente. Ambos os fenômenos não estão presentes no Código de 1916, mas fazem parte do vigente Código.
Interessante apontar, de plano, que o Código de 1916, para os defeitos do negócio jurídico, estabeleceu o prazo prescricional de quatro anos para sua anulação (art. 178, § 9o, V). O vigente Código, esclarecendo dúvida da doutrina, admite expressamente que o prazo, para anular o negócio jurídico por coação, erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo e lesão é decadencial, também de quatro anos (art. 178, I e II). Nesse mesmo prazo, decai a pretensão para anular atos de incapazes, a contar do dia em que cessar a incapacidade (art. 178, III). Tratando a simulação como causa de nulidade, a ação para a sua declaração é imprescritível no vigente ordenamento civil.
Feita esta introdução a respeito dos defeitos dos atos jurídicos, passemos a estudá-los de per si.
O Código assemelhou e equiparou os efeitos do erro à ignorância. O erro manifesta-se mediante compreensão psíquica errônea da realidade, ou seja, a incorreta interpretação de um fato. A ignorância é um "nada" a respeito de um fato, é o total desconhecimento.
Erro é forma de representação psíquica, porém desacertada, incorreta, contrária à verdade. A ignorância é ausência de conhecimento, falta de noção a respeito de um assunto; não há na ignorância nem mesmo a representação imperfeita, porque inexiste qualquer representação mental ou conhecimento psíquico. Como vemos, apesar de equiparadas nos efeitos pela lei, não há identidade de conceitos para as duas noções. Portanto, o que se diz para o erro, para fins legais, aplica-se à ignorância.
O art. 86 do Código antigo dispunha que "são anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial". O art. 138 do atual Código, por seu turno, descrevendo circunstancialmente o que era reclamado pela doutrina, dispõe: "São anuláveis os negócios jurídicos quando as declarações emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio."
A matéria atinente ao erro tem suscitado as mais vivas controvérsias, mormente porque diz respeito à posição filosófica referente à manifestação de vontade. Quer adotemos a teoria da declaração quer a da vontade, ou qualquer das teorias ecléticas, tal refletirá na postura a respeito do deslinde do problema do erro no negócio jurídico.
O art. 138, assim como o antigo art. 86, falam em erro substancial. Distingue-se, portanto, de início, o erro substancial do erro acidental.
Antes de adentrarmos nessa distinção, importa, ainda que de maneira perfunctória, enumerar e analisar os requisitos do erro.
Clóvis (1980:219), baseado em Dernburg, diz que o erro deve apresentar os seguintes requisitos:
"I - ser escusável;
II - ser real, isto é, recair sobre o objeto do contrato e não simplesmente sobre o nome ou sobre qualificações;
III - referir-se ao próprio negócio e não a motivos não essenciais; e
IV - ser relevante."
Escusabilidade do Erro
Clóvis apresenta a escusabilidade do erro como um dos seus requisitos para a anulação do negócio, mas não a colocou na lei de 1916.
O fato é que sem esse requisito, na prática, se chegaria a soluções injustas. É o que demonstra, com sua habitual argúcia, Sílvio Rodrigues (1979:59 ss), em sua obra Dos vícios do consentimento. Para esse autor, atendendo a corrente generalizada na doutrina e na jurisprudência, é impossível imaginar que a lei possa permitir o desfazimento de negócio jurídico, quando se defronta com erro inescusável.
O erro grosseiro, facilmente perceptível pelo comum dos homens, não pode ser idôneo para autorizar a anulação do ato.
O princípio geral é do homem médio. Por essa razão, o atual Código reporta-se ao erro que pode ser percebido por pessoa de diligência normal para as circunstâncias do negócio. Trata-se do conceito do homem médio para o caso concreto. Assim, poderá ser anulável o negócio para um leigo em um negócio, para o qual não se admitiria o erro de um técnico na matéria.
Todo vício de vontade, e principalmente o erro, deve ser examinado sob o prisma da declaração de vontade. Doutra parte, não podemos deixar de levar na devida conta a situação do declaratário, principalmente na situação que não obrou, não colaborou para o erro do declarante. Nesse caso, a anulação do ato jurídico para o primeiro será sumamente gravosa. Tendo em vista esse aspecto, não podemos deixar de levar em consideração a escusabilidade do erro.
Se o erro facilmente perceptível pudesse trazer anulabilidade ao negócio jurídico, estaria instalada a total instabilidade nas relações jurídicas. O atual Código de certa forma introduz o requisito da escusabilidade, pois exige que se examine o erro no caso ou na situação concreta da parte que nele incide. Avulta de importância, como em toda análise da manifestação de vontade, o trabalho do juiz diante do caso concreto a ser examinado. É sua prudência que dirá se o erro, nas condições sob enfoque, é passível de anular o negócio jurídico ou não.
Como assevera Domingues de Andrade (1974:239), a escusabilidade aparece quando o erro não provém de extraordinária ignorância ou diligência. Por outro lado, o erro indesculpável é o erro escandaloso, que procede de culpa grave do declarante; "é aquele em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspecção".
Embora a lei não contemplasse essa exigência em requisito, a doutrina e a jurisprudência não lhe têm negado aplicabilidade. Isso se dá por necessidade prática de proteção à estabilidade das relações jurídicas e, principalmente, à boa-fé do declaratário, quando este não agiu com culpa.
O Anteprojeto de 1973 continha dispositivo que colocava a escusabilidade como requisito. O presente Código retirou-o assim, preferindo substituir pela descrição apontada.
Foi correta a supressão do requisito escusabilidade porque, na nova lei, o negócio só será anulado se o erro for passível de reconhecimento pela outra parte. A escusabilidade, nesse caso, torna-se secundária. O que se levará em conta é a diligência normal da pessoa para reconhecer o erro, em face das circunstâncias que cercam o negócio. Sob tal prisma, há que se ver a posição de um técnico especializado e de um leigo no negócio que se trata. Avultam de importância as condições e a finalidade social do negócio que devem ser avaliadas pelo juiz.
Erro Substancial e Erro Acidental
A lei exige que o erro, para anular o ato, seja substancial. O erro substancial ou essencial contrapõe-se ao erro acidental ou incidental.
Erro essencial é o que tem papel decisivo na determinação da vontade do declarante, de modo que, se conhecesse o verdadeiro estado de coisas, não teria desejado, de modo nenhum, concluir o negócio. Erro substancial ou essencial é, portanto, o que dá causa ao negócio (causam dans), mas não é necessário que tenha sido a causa única. Pode ter sido concausa ou causa concomitante. Dessa forma, o erro deve ser causa suficiente para a conclusão do negócio, uma das causas.
Suponhamos a situação de alguém que crê estar adquirindo coisa, quando na verdade está locando-a (I). Ou a situação de quem, ao verificar planta de loteamento, acredita estar adquirindo o lote 5, da quadra B, quando na realidade está adquirindo o lote 5 da quadra A (II). Ou a situação de quem adquire cavalo, acreditando que é de tiro, quando na realidade é de competição (III). E ainda o caso de quem faz doação a outrem, supondo que este lhe salvou a vida, o que não ocorreu (IV).
Pois bem, o art. 139, I (antigo, art. 87) define o que a lei entende por erro substancial o que interessa à natureza do negócio, o objeto principal da declaração, ou alguma das qualidades a ele essenciais.
O art. 139, II (antigo, art. 88) menciona o erro quanto à pessoa, aquele que "concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante".6 O presente Código concede um tratamento mais específico e restrito no tocante ao erro quanto à pessoa, pois se refere à influência relevante na vontade, o que não vinha mencionado no diploma anterior. Essa nova posição reflete claramente o trabalho da jurisprudência e da doutrina no tocante ao erro quanto à pessoa.
Destarte, nos exemplos dados, temos em "I" o erro substancial que interessa à natureza do ato (error in ipso negotio), o declarante pretende praticar certo ato e, entretanto, outro é praticado. No exemplo "II" há erro sobre o objeto principal da declaração (error in ipso corpore rei), a coisa objetivada pelo declarante não era a constante do negócio.
Nesses dois casos, temos o que a doutrina denomina erro obstáculo, que não seria exatamente vício de consentimento, mas óbice impeditivo da manifestação de vontade. Em outras legislações, como a alemã, tais situações de "erro-obstáculo" ou "erro impróprio" atribuem nulidade ao negócio, ficando as demais situações enfocadas como "erro próprio", exatamente vício de vontade, passível de anular o negócio. A lei brasileira equipara as duas situações e não faz distinção entre elas; trata todas as situações sob o prisma da anulabilidade, entendendo que o erro sobre a natureza do negócio ou sobre a identidade do objeto perfaz, em síntese, manifestação de vontade, errônea, é verdade, mas que nem por isso deixa de ser uma externação volitiva.
Se se levasse em conta a distinção, portanto, os casos de "erro-obstáculo", por inexistência da vontade, levariam irremediavelmente à nulidade do negócio, ficando as outras hipóteses para a anulação. Como não foi isso que pretendeu a lei brasileira, Sílvio Rodrigues (1979:26) conclui que, perante nossa legislação, o problema "ganhou em clareza e em simplicidade o que perdeu em lógica".
No exemplo "III", temos caso de erro sobre alguma das qualidades essenciais do objeto principal da declaração (erro in substantia); supunha-se existente determinada qualidade que, na verdade, inexistia. A qualidade pretendida era o motivo determinante do ato; por essa razão, o negócio é anulável.
O exemplo "IV" configura situação de erro quanto à pessoa da forma como está estampado no art. 139, II e na dicção supratranscrita do presente Código. A intenção de doar teve em mira retribuição pelo fato de o donatário ter salvo a vida do doador, mas, na verdade, não foi o donatário quem efetuou o salvamento. Não está presente, portanto, no declaratário uma qualidade essencial, a razão de ser do negócio jurídico, o qual também se torna anulável.
No tocante ao casamento, há no art. 1.557 (antigo, art. 219) a definição, em quatro incisos, do que entende a lei por erro essencial para inquinar a vontade matrimonial. Trata-se de aplicação particular do erro quanto à pessoa.
Assim, o erro, para propiciar a anulação do negócio, além de escusável, deve ser substancial e real, isto é, verdadeiro, tangível, palpável, importando em verdadeiro prejuízo ao declarante.
Erro acidental, pelo contrário, não é suficiente para anular o negócio.
Avulta de importância o exame do caso concreto feito pelo juiz, na busca da intenção das partes. Acidental é o erro que recai sobre motivos ou qualidades secundárias do objeto ou da pessoa, não alterando a validade do negócio: não se poderia presumir que o declarante não fizesse o negócio se soubesse das reais circunstâncias. Pode-se configurar erro acidental, por exemplo, o fato de alguém adquirir um automóvel de cor branca, quando o automóvel era de cor preta. Trata-se de error in qualitate.
Pode ser acidental também o error in qualitate quando existe diferença entre o que se recebe e o que se intenciona receber. Em qualquer caso, repetimos, é o exame do caso concreto que define o erro substancial ou acidental, cuja dúvida, geralmente, reside nas qualidades essenciais do objeto ou nas qualidades essenciais da pessoa, a quem se refira a declaração da vontade. Em geral, os casos de "erro-obstáculo" são sempre de erro substancial.
Prescrevia o art. 90 do Código de 1916 já por nós mencionado: "Só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de condição." Esse dispositivo trouxe à baila discussão de se perguntar se a causa foi erigida em elemento essencial do negócio jurídico.
O termo causa está na lei como motivo determinante, e não como causa do negócio jurídico. O atual Código emendou e corrigiu a redação, e assim dispôs o art. 140: "Só vicia a declaração de vontade o falso motivo quando expresso como razão determinante."
Segundo o art. 90 ou 140, representações psíquicas internas ou razões de ordem subjetiva que antecedem a realização do negócio não têm relevância jurídica para viciar o ato, a não ser que alguma delas tenha sido erigida em motivo determinante. É o caso daquele que aluga imóvel para instalar um restaurante, pressupondo que em frente será estabelecida indústria, ou escola, que dará movimento ao estabelecimento, quando, na verdade, não há nem mesmo conjecturas para a fixação desses estabelecimentos. O negócio seria anulável se tal motivo fosse expresso no negócio.
No mais, os motivos são de ordem interna, psicológica, e não devem intervir na estabilidade jurídica dos negócios. Se as partes, porém, erigem um dos motivos em razão determinante do negócio, ele se integra ao próprio, passa a fazer-lhe parte, gerando a anulabilidade se for inverídico ou falso. Importa aqui mencionar que o motivo deve ser de conhecimento do declaratário; caso contrário, não pode ser alegado como fundamento de anulação do ato.
O Código de 1916 nada mencionou a respeito do erro de direito; refere-se tão-somente ao erro de fato, surgindo daí controvérsia para saber se o erro de direito também pode possibilitar a anulação do negócio.
O princípio entre nós dominante, como na maioria das legislações, é o de que a ninguém é lícito desconhecer a lei. Diz o art. 3o da Lei de Introdução do Código Civil: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece."
Clóvis Beviláqua não admitiu o erro de direito para anular o ato jurídico, comentando o art. 86 do Código de 1916 à luz do art. 5o da antiga Lei de Introdução. Sua opinião fez adeptos entre os primeiros comentadores do Código.
Sílvio Rodrigues (1981:102) verifica que a opinião de Clóvis, baseada na revogada Lei de Introdução, não podia prevalecer na lei atual. A lei anterior dizia: "Ninguém se escusa alegando ignorar a lei." O texto atual da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece."
Concluiu o autor: "Enquanto o texto revogado impedia se alegasse ignorância da lei, possibilitando, talvez, a interpretação de Beviláqua, o artigo, na forma que lhe deu o legislador de 1942, tem menor abrangência, pois só veda a escusa para o caso de descumprimento da lei."
Portanto, quem é levado a falso entendimento, por ignorância de lei não cogente, não está desobedecendo-a. Logo, em nossa sistemática, nada impede que se alegue erro de direito se seu reconhecimento não ferir norma de ordem pública ou cogente e servir para demonstrar descompasso entre a vontade real do declarante e a vontade manifestada. Serpa Lopes (1962, v. 1:432) acentua: "O que justifica o erro de direito é a ignorância da lei, senão a própria razão do consentimento viciado."
Destarte, a regra nemo ius ignorare consentur (a ninguém é dado ignorar a lei) tem alcance limitado e refere-se sobretudo aos atos ilícitos.
Como exemplo, citamos o caso de quem contrata a importação de determinada mercadoria sem saber ser ela proibida. A parte não pretendeu furtar-se ao cumprimento da lei, tanto que efetuou o contrato. É o caso típico em que a vontade foi externada viciada por erro.
Essa opinião foi recentemente quase unânime na doutrina. Para tanto, aduz Washington de Barros Monteiro (1977, v. 1:190), com sua habitual argúcia: "O apego à ficção - nemo jus ignorare licet - só deve ser mantido, quando indispensável à ordem pública e à utilidade social. A lei é humana e eqüitativa. Entendê-la de outro modo será muitas vezes, condenar quem realmente estava enganado e foi vítima de equívoco perfeitamente desculpável."
Nesse aspecto, o presente Código oriundo do Projeto de 1975 foi expresso ao estatuir, no art. 139, III, que o erro é substancial também "quando sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o móvel único ou principal do negócio jurídico", pondo, assim, fim à controvérsia.
Dispõe esse artigo: "A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta."
Apesar de a lei de 1916 falar em nulidade, é evidente que se tratava de nulidade relativa ou anulabilidade. Nesse sentido, a redação do atual Código é correta, pois trata a situação descrita como anulável, no art. 141.
Se a vontade é transmitida erradamente por anúncio, por exemplo, ou no caso de mensagem truncada por telex, telegrama, ou fac-símile, o ato pode ser anulado, nas mesmas condições da transmissão direta.
A doutrina estrangeira trata o presente caso como "erro-obstáculo"; tal procedimento ensejaria a nulidade, mas não é o caso entre nós.
Aqui, também, temos de ter em vista a situação do declaratário. O erro deve ser reconhecível por ele. A lei, é evidente, não cuidou da hipótese, mas podemos aplicar o que foi dito anteriormente.
Se o ato não logra ser anulado, a hipótese é de responsabilidade do emitente da declaração (do núncio ou do mensageiro), se obrou com culpa, nos termos do art. 186 (antigo, art. 159) do Código Civil.
Art. 142 do Código Civil (Art. 91 do Código de 1916)
Esse dispositivo trata de erro acidental ou incidental e, portanto, sanável, incapaz de viciar o ato.
Um testador refere-se ao filho Antônio, quando, na realidade, não tem filho com esse nome, mas apenas filho de nome José. O comprador menciona que adquire veículo de uma marca, quando o vendedor só trabalha com veículos de outra. São meros enganos facilmente corrigíveis pelo contexto e pelas circunstâncias.
Esse artigo é mero complemento do art. 138 (antigo, art. 86), pelo qual a anulação só é possível no erro substancial, tendo sido mantida no atual Código.
Erro de Cálculo
O atual Código, no art. 143, diz que o erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade. É disposição nova dessa lei que repete o art. 665 do Código português vigente. De acordo com essa disposição, que podia perfeitamente ser aplicada como orientação doutrinária, o erro é acidental.
Não constitui motivo de anulação, mas pode ser corrigido; vale, portanto, o negócio. Há necessidade, porém, como fala a doutrina portuguesa, de que se trate de erro ostensivo, facilmente perceptível; caso contrário, o erro será substancial.
Imaginemos o exemplo supracitado. O comprador crê que adquire lote 5 da quadra B, quando, na verdade, adquire lote 5 da quadra A, segundo a planta que lhe é apresentada. Trata-se de erro substancial. Antes mesmo, porém, que o declarante pretenda anular o ato, ou quando este já exerce sua pretensão, o declaratário (vendedor) concorda em entregar-lhe o lote 5 da quadra B. Não há, assim, qualquer prejuízo para o declarante. Tal solução, pelos princípios gerais, é perfeitamente aplicável na atualidade.
A esse propósito, o atual Código foi expresso: "O erro não prejudica a validade do negócio jurídico, quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante" (art. 144).
A execução, porém, de acordo com a vontade real deve ser possível, pois de nada adiantará a boa vontade do declaratário se for ela impossível. O vigente Código busca aproveitar o ato e torná-lo hígido, sempre que possível.
A teoria dos vícios redibitórios é aplicação da teoria geral do erro. Vício redibitório é o defeito oculto de que é portadora a coisa objeto do contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina ou prejudica-lhe o valor (art. 441; antigo, art. 1.101).
O erro é apontado como seu fundamento: se o agente soubesse do vício, não teria realizado o contrato. Tem como efeito a duplicidade de alternativa: pode o adquirente enjeitar a coisa, redibindo o contrato e devolvendo o bem ou, se for o caso, pode utilizar-se da ação quanti minoris, pedindo diminuição do preço.
Embora íntima a relação existente entre os vícios redibitórios e o erro sobre qualidades essenciais do objeto, seus respectivos fundamentos são diversos. No vício redibitório, o fundamento é a obrigação que o vendedor possui de assegurar o comprador contra defeitos ocultos na coisa que a tornem imprestável para a finalidade à qual se destina. No erro, o fundamento é a vontade incorretamente manifestada no momento do próprio ato. O vício redibitório é objetivo, existe na própria coisa. O erro é subjetivo, reside na manifestação de vontade.
Mesmo nos vícios redibitórios, os tribunais têm negado a redibição quando o defeito é visível, facilmente perceptível, quando há, então, negligência por parte do agente.
Os arts. 87 e 88 do antigo diploma e o art. 139 do vigente não mencionam o erro sobre o valor, fazendo concluir que ele não conduz à anulação do contrato.
Muitos autores, no entanto, entendem que, na falta de disposição expressa sobre a lesão, não regulada pelo Código anterior, a teoria do erro podia, em tese, permitir a anulação do negócio.
Em resumo, há erro quando alguém paga determinado preço que acredita justo, numa compra e venda, e posteriormente vê que é desproporcionadamente alto, havendo enorme disparidade.
Como faz Sílvio Rodrigues (1981:91 ss), podemos entender que, não existindo o instituto da lesão no Código Civil de 1916 (o Código de Defesa do Consumidor de certa forma reintroduziu-o), podia perfeitamente o negócio nessas condições ser anulado por erro substancial. Verdade é, porém, que defendemos a possibilidade de se anular o negócio por lesão, não apenas com base na Lei da Economia Popular, mas sobretudo por princípios gerais. O erro substancial é uma válvula perfeitamente aceitável para tal finalidade. O Código de Defesa do Consumidor permite também esse entendimento. No atual diploma civil, a lesão é reintroduzida em nosso ordenamento.
Conseqüências da Anulação do Negócio por Erro - Interesse Negativo
Quando se decreta a anulação de negócio jurídico por erro, cria-se situação geralmente não estudada. Vejamos a situação do exemplo citado: O agente adquire o lote 5 da quadra B. Certo tempo após o negócio ter sido concluído (o prazo de prescrição é de quatro anos, art. 178, § 9o, V, b, do Código Civil de 1916; o atual Código estabelece o mesmo prazo de quatro anos, expressamente admitindo ser de decadência, art. 178, II), o vendedor vê-se surpreendido com a ação judicial pedindo outro lote e, por fim, tem contra si uma procedência, sucumbido por motivo para o qual não concorreu. Ora, após realizado o negócio, o vendedor deu o destino que desejou ao numerário recebido.
Pois bem, anulação por erro redunda em situação toda especial, ou seja, a responsabilidade é exatamente daquele que pede a anulação do negócio, já que é o único responsável por sua má destinação. Seria sumamente injusto que o declaratário que não errou, nem concorreu para o erro do declarante, arcasse com duplo prejuízo, duplo castigo: a anulação do negócio e a absorção do prejuízo pelas importâncias a serem pagas ou devolvidas, conforme o caso, além dos ônus da sucumbência processual. Devem, portanto, os juízes atentar para essa importante particularidade ao decretar a anulação do negócio por erro.
De acordo com o julgado inserido na RT 554/80, dois agentes foram levados a erro, vendendo imóvel que valia Cr$ 220.000,00, por Cr$ 60.000,00. A ação foi julgada procedente, anulado o negócio, mas os próprios autores foram condenados a devolver a importância recebida de Cr$ 60.000,00, "para que se restabeleça o equilíbrio econômico e para que nenhuma das partes sofra qualquer lesão em seu patrimônio, os autores, recuperando a propriedade do imóvel, deverão restituir aos réus, com correção monetária desde a época do ato, a quantia de Cr$ 60.000,00, por eles recebida".
Nessa decisão, foram atendidos os requisitos do interesse negativo.
Nossos Códigos são omissos quanto ao tema, mas a solução decorre dos princípios da boa-fé, bem como dos princípios gerais de direito.
O Código alemão é expresso sobre tal responsabilidade; a doutrina denomina-a interesse negativo e só excetua a indenização no caso em que a vítima do prejuízo, ou seja, o declaratário, tenha conhecido o motivo do erro ou por negligência sua tenha deixado de ter esse conhecimento (art. 122). Tal princípio também é estampado no Código suíço de Obrigações. Essa responsabilidade sui generis não provém de culpa.
"A parte que incide em erro responde pelos danos causados por um ato lícito, já que decorreu de sua própria negligência ao contratar, o que deu causa à anulabilidade desse mesmo ato. Trata-se de chamado interesse negativo" (Lopes, 1962, v. 1:436).
Processualmente, a situação é interessante. Quer-nos parecer que o réu na ação anulatória deve ingressar com reconvenção, pois, na sistemática processual, é estranha a condenação do autor que vence a ação... Na falta de reconvenção, ficarão abertas ao sucumbente as portas de ação autônoma, se bem que entendemos nada obstar que, mesmo na ausência de reconvenção, o réu seja indenizado em execução de sentença, a qual, geralmente, deve ser processada por artigos.
A situação é mutatis mutandis semelhante ao direito de retenção por benfeitorias. O que é patente para nós, no entanto, é que não podemos sacrificar o direito material sob fundamento de atender a princípios de ordem processual. A presente situação é típica de encarar o processo como meio de atingir a Justiça e não um fim em si mesmo. Ainda que a situação possa parecer estranha, o fato é que o direito material deve ser atendido, considerando-se igualmente o princípio de economia processual.
Observações gerais
1 - "Anulatória de ato jurídico - Vício do consentimento caracterizado - Sentença confirmada. São anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial, considerando-se este, no caso, como aquele que incide sobre o objeto principal da declaração (art. 87, do CC), ou seja, o objeto não é o pretendido pelo agente, posto que ele supôs estar adquirindo um lote de terreno de excelente localização, quando na verdade adquiriu um situado em outro local menos valorizado, induzido pelo alienante" (TJPR - Apelação Cível 13424, 3a Câmara Cível, Rel. Juiz Ivan Bortoleto, 16-2-98).
"Contrato - Prestação de serviços - Regularização administrativa e judicial de débitos fiscais e previdenciários - Publicação de anúncios apresentando as características do serviço prometido - Contrato celebrado em decorrência da leitura destes anúncios pela autora - Efetiva prestação dos serviços que não se deu da forma apresentada nas peças publicitárias - Contratação de escritório de advocacia que não cumpriu o avençado, deixando transitar em julgado decisões proferidas sem sequer apresentar recurso - Caráter enganoso da publicidade - Reconhecimento (Código de defesa do Consumidor, art. 37, § 1o) - Descumprimento do contrato, evidenciado - Princípio da transparência da relação de consumo (CDC, art. 4o) - Inobservância - Vício de consentimento da autora ao celebrar o contrato - Caracterização - Contrato anulado (Código Civil, artigo 147, inciso II) - Devolução das quantias indevidamente recebidas - Necessidade (CC, 158) - Recurso provido" (1o TACSP - Ap. Cível 0804969-6, 12-6-2000, 11a Câmara - Rel. Ary Bauer).
2 - "Depósito - Alienação fiduciária - Hipótese de consorciado que transfere a terceiro o veículo alienado - Negócio realizado na sede da administradora-autora, com pessoa tida como seu preposto - Impossibilidade do réu supor que tratava com funcionário já despedido da empresa - Erro escusável, comprovada a boa-fé - Aplicabilidade da teoria da aparência - Responsabilidade do réu afastada - Ação procedente - Recurso improvido" (1o TACSP - Ap. Cível 0612030-1, 17-10-96, 11a Câmara Cível - Rel. Antônio Marson).
"Ação anulatória de negócio jurídico - Alegação de vício de consentimento - Erro inescusável. À luz da normalidade das coisas e da esperada compreensão e cautela do homem médio a respeito das particularidades dos atos jurídicos por eles praticados, considera-se erro inescusável a celebração de contrato sem o necessário conhecimento, pelo contratante, do conteúdo e alcance das cláusulas correspondentes" (TJSP - Ap. Cível 78.268-4, 5-8-99, 6a Câmara de Direito Privado - Rel. Antonio Carlos Marcato).
"Ação anulatória de ato jurídico - Contrato de locação - Alegação de erro substancial - Vício de consentimento - Inexistência - Inadmissibilidade. Anulação de ato jurídico. Contrato de locação. Erro substancial. Alegação dos locatários de que celebraram os contratos pensando que se tratava de um 'shopping center' e, na verdade, era apenas um centro comercial. Improcedência e apelação. Fatos incontestes que os contratos foram celebrados quando concluída a obra, ou quase, e que os locatários vistoriaram o empreendimento. Impossibilidade de não terem constatado, então, que o local não possuía vasta garagem, praça de alimentação, área de lazer, loja-âncora, escadas rolantes ou elevadores de acesso, para ficar na enumeração dos requisitos de 'shopping center' que os próprios autores mencionaram.
Se erro tivesse havido, teria que ser: escusável, isto é, deveria ter por fundamento uma razão plausível ou ser tal que uma pessoa de inteligência comum e atenção ordinária o pudesse cometer; ser real, isto é, recair sobre o objeto do contrato e não simplesmente sobre o nome ou sobre qualificações; ser relevante, isto é, de tal importância que, segundo a concepção geral da vida e da experiência, possa admitir-se que o iludido não teria celebrado o negócio, se conhecesse a relação verdadeira. No caso, com a vistoria, se erro tivesse havido, não teria sido escusável, real e relevante, não existindo vício de consentimento apto a invalidar o negócio jurídico" (2o TACSP - Ap. c/ Rev. 637.807-00/5, 23-5-2002, 12a Câmara - Rel. Romeu Ricupero).
3 - "Ato jurídico - Anulação de escritura - Pedido de indenização - Perdas e danos - Aquisição de um bem por outro mediante erro - Vício de vontade que não pode ser considerado como escusável, bem como de ser considerado como erro substancial a justificar o pedido de anulação do negócio pactuado pelas partes - Recurso não provido" (TJSP - Apelação Cível 48.115-4 - Atibaia - 7a Câmara de Direito Privado - Rel. Júlio Vidal - 2-9-98).
"Alienação fiduciária - Rescisão contratual - Sucessivos contratos firmados pelo devedor - Financiamento com garantia - Simulação e erro substancial alegados - Não reconhecimento - Exegese dos artigos 333, I, do Código de Processo Civil e 104 do Código Civil. Os sucessivos contratos firmados pelo autor, cujas assinaturas não são contestadas, podem induzir à conclusão de que as partes teriam simulado sucessivos financiamentos, lastreados em garantia fiduciária. Frágil, porém, a versão apresentada pelo apelante, advogado que atuava em outras instituições financeiras desde a época em que era estagiário, ao invocar erro substancial e simulação.
Esta última, sequer pode ser invocada pelo fiduciante, tendo em vista o princípio moral que não admite prevalecer-se alguém de seu próprio ato ilegal - 'nemo auditur proprium turpitudinem allegans' -, e que informa a regra contida no artigo 104 da Lei Civil. Quanto à invocação de erro substancial sobre a natureza do ato, isto é, 'error in ipso negotio', igualmente não restou verificado nesta causa, de vez que, como se sabe, esse erro ocorre quando se tenciona praticar um ato e se pratica outro. Na espécie, em momento algum restou configurado esta situação. Acresça-se ainda, que, como fato constitutivo de seu direito, incumbiria ao autor fazer prova do alegado erro (Código de Processo Civil, artigo 333, inciso I), que restou não comprovado" (2o TACSP - Ap. c/ Rev. 613.287-00/9, 18-9-2001, 1a Câmara - Rel. Amorim Cantuária).
4 - "Anulatória - Ato jurídico - Erro essencial quando do consentimento do negócio - Ocorrência - Transmissão de domínio sobre terras de valor insignificante - Autor que acreditava tratar-se de terras comercialmente aproveitáveis - Invalidade do ato - Restituição das partes ao estado anterior à celebração do negócio - Recurso parcialmente provido para esse fim. Erro é a idéia falsa da realidade, capaz de conduzir o declarante a manifestar sua vontade de maneira diversa da que manifestaria se porventura melhor a conhecesse" (TJSP - Ap. Cível 247.389-2, 7-3-95, 12a Câmara Cível - Rel. Scarance Fernandes).
"Cobrança - Alienação de veículo em leilão, que se verificou não ser de propriedade da ré - Devolução de valor pago - Admissibilidade - Configuração de erro essencial que estava a comprometer o objeto principal da declaração de vontade externada - Causa apta a gerar a anulação da venda feita - Hipótese, porém, do não-cabimento da pretensão relativa a lucros cessantes - Recursos não providos" (TJSP - Ap. Cível 15.539-4, 6-8-97, 7a Câmara de Direito Privado - Rel. Leite Cintra).
"Ação de cobrança. Embargos de declaração. Erro material evidente. Efeitos infringentes em primeiro grau. Admissibilidade. Plano de saúde. Internamento nosocomial. Autorização de segurado excluído. Erro substancial. Crédito inexistente. Recurso não provido. A validade do negócio jurídico exige a presença de vontade livre e consciente. O erro baseia-se justamente na falta de consciência das circunstâncias do negócio jurídico por desconhecimento ou falsa noção das mesmas. A invalidade somente acontece no caso de erro essencial ou substancial. A declaração de vontade, consubstanciada em autorização para internamento hospitalar para período certo e emitida pela operadora do plano de saúde, considera-se eivada de erro substancial se o segurado já estava excluído da cobertura securitária. A pretensão em receber ressarcimento pelos dias de internamento excedentes não encontra amparo na ordem jurídica. Apelação conhecida e não provida" (TAMG - Ap. Acórdão 0326398-1, 25-4-2001, 3a Câmara Cível - Rel. Caetano Levi Lopes).
5 - "Apelação Cível - Apelação declaratória - Clube - Sanção disciplinar - Ato jurídico anulável - Erro substancial - Qualidade essencial da pessoa - Declaração de vontade - Recurso provido - A sanção administrativa aplicada a associado de clube, que foi embasada em declarações unilaterais de pessoa envolvida nos fatos, torna o ato anulável, porquanto emanado de erro substancial, no que diz respeito a qualidades essenciais da pessoa, consoante as normas inseridas no capítulo dos defeitos dos atos jurídicos do vigente diploma substantivo civil" (TAPR - Apelação Cível 108516700 - 8a Câmara Cível - Juiz conv. Manasses de Albuquerque - 22-9-97).
"Permuta - Imóveis residenciais - Prédio sujeito a inundações constantes - Erro substancial caracterizado - Ação anulatória julgada procedente - Sentença que se baseou na qualificação de vício redibitório - Irrelevância - Improvimento aos recursos - Aplicação dos artigos 86 e 87 do Código Civil. Anula-se por erro substancial a permuta de imóveis destinados à habitação, dos quais um é sujeito a inundações constantes, de cuja ocorrência não foram os contraentes advertidos" (TJSP - Ap. Cível 118.049-4, 20-11-2001, 2a Câmara de Direito Privado - Rel. Cezar Peluso).
6 - "Escritura de compra e venda de imóvel - Erro substancial não comprovado - Ação ordinária de anulação de escritura. O erro que vicia o ato anulando-o é o substancial e não o acidental. Entendimento dos arts. 86 e 87 do CC. Só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de condição (art. 90 do CC). Compra e venda perfeita e acabada nos termos do art. 1.126 da Lei Substantiva Civil. Nega-se provimento ao recurso" (TACRJ - Apelação Cível 46669 - Reg. 1101, 2a Câmara, Rel. Miguel Pacha - 24-4-80).
"Reserva de domínio - Contrato de compra e venda - Negócio jurídico de natureza diversa do consórcio - Argüição de nulidade por erro - Não configuração. Não configura erro substancial sobre a natureza do negócio jurídico, quando patente ao homem médio as obrigações e direitos oriundos do contrato de compra e venda com reserva de domínio, substancialmente diferente da relação jurídica proveniente de consórcio" (2o TACSP - Ap. c/ Rev. 566.239-00/0, 27-6-2000, 7a Câmara - Rel. Willian Campos).
7 "Direito civil - Parte geral - Defeito dos atos jurídicos - A transmissão errônea da vontade por instrumento pode argüir-se de nulidade; os atos de má-fé poderão ser provados por indícios e circunstâncias. No caso, porém, nem essa prova foi feita. Inteligência dos artigos 135 e 89 do Código Civil" (TARS - Apelação Cível 24841, 1a Câmara Cível, Rel. Luiz Melibio Uiracaba Machado, 23-4-81).
Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil - Parte Geral
Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil - Parte Geral
Fonte: Leonildo Correa (Acesse)